Centro de Estudos em Fotografia de Tomar - Fotografia e Território

Depois da Estrada

Projetos
Fotógrafo: Duarte Belo

Ano: 2018

Concelhos: Montalegre, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Mondim de Basto, Amarante, Baião, Resende, Cinfães, Castro de Aire, Vouzela, Tondela, Santa Comba Dão, Arganil, Góis, Lousã, Pampilhosa da Serra, Oleiros, Mação, Gavião, Crato, Alter do Chão, Avis, Mora, Évora, Montemor-o-Novo, Ferreira do Alentejo, Beja, Mértola, Castro Verde, Almodôvar, Loulé, Albufeira.

 

 

Defino como ponto de partida o alto da Serra do Larouco, Montalegre. Traço um itinerário em direção ao Sul, sensivelmente equidistante entre a linha de costa atlântica, a poente, e a fronteira com Espanha, a nascente. Evito passar por cidades, vilas, ou pontos de interesse patrimonial e turístico. Ao fim de cinco dias, com 1171 quilómetros percorridos em automóvel, chego à praia da Coelha, Albufeira. Percorrera um país marcado pela desertificação humana progressiva, por incêndios cíclicos, pela pobreza. Há, no entanto, subtilezas que se escondem nestas paisagens e reflexões que são suscitadas pelo horizonte que fica para além da estrada. 

 


Atravessar um papel em branco e deixar nele um traço que define, também, uma linha de tempo. É uma forma de voltar a viver a passagem por espaços deixados vagos, de fazer uma nova viagem. Tinha tomado apontamentos em folhas de papel onde desenhei todo o itinerário, bem como os pontos onde parei para fazer fotografias. Agora, ao olhar para esses planos, que me auxiliaram no alinhamento das palavras, via uma nova viagem. Tudo recomeçava e num conjunto de outras partidas e caminhos que imaginava, outras fontes, outras leituras, a possibilidade da construção de outros objetos. Um processo interminável de divagação progressivamente abstrata.

 


É um privilégio viver neste período de transição do analógico para o digital. A realidade está a alterar-se consideravelmente, não apenas nas tecnologias de registo e comunicação. As consequências são muito mais profundas. Estamos a libertar-nos de um mundo arcaico que nos prende a um passado muito remoto. Há uma sedução pelo mundo analógico: a mão que toca as texturas, a multiplicidade de cores que os olhos captam no imenso detalhe do claro-escuro contínuo, a humidade dos materiais, a sujidade, a terra, o sangue que nos corre nas veias, o estar integrado numa plena condição animal.

 


Esta viagem significa, em certo sentido, uma despedida deste modo antigo de olhar o mundo, que também está guardado no arquivo fotográfico que estrutura estes fazeres. Deixamos a terra. Há uma certa densidade em tudo isto e um apego que é liberdade.


Duarte Belo

Viseu, Novembro de 2020

 

 

Duarte Belo (Lisboa, 1968). Formação em arquitetura (1991). Desde 1986 que trabalha no levantamento fotográfico sistemático da paisagem, formas de povoamento e arquiteturas em Portugal. Este trabalho continuado sobre o território deu origem a um arquivo fotográfico de mais de 1.750.000 fotografias. Publicou vários livros sobre o tempo e a forma do território português, de que se destacam: Portugal — O Sabor da Terra (1997-1998); Portugal Património (2007-2008); Portugal Luz e Sombra (2012); Caminhar Oblíquo e Depois da Estrada (2020). Tem trabalhado sobre nomes relevantes da cultura portuguesa, como Mário de Cesariny, Ruy Belo, Alberto Carneiro, Miguel Torga ou Sophia de Mello Breyner. Lecionou áreas relacionadas com a fotografia e a arquitetura. Expõe desde 1987 e participa regularmente em conferências e mesas redondas. É editor do blog Cidade Infinita.

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