Centro de Estudos em Fotografia de Tomar - Fotografia e Território

Natureza Escultórica: conversa com Rodrigo Cardoso.

Entrevistas
Fotógrafo: Rodrigo Cardoso

"se por um lado me interessou o distanciamento e isolamento que este lugar me proporcionava, por outro lado havia um mistério em torno da rocha e da forma que tinha adquirido ao longo do tempo que eu precisava de entender."

 

 

 Entrevista conduzida com o autor, por ocasião da exposição na Casa dos Cubos (CEFT) da série Colosso.

 

João Henriques: Rodrigo, conta-nos um pouco do teu interesse e percurso pela Fotografia.

 

Rodrigo Cardoso: O interesse pela fotografia e os processos fotográficos surgiu devido à possibilidade de poder manusear, controlar, e executar todo o processo.

Inicialmente utilizava a fotografia como ferramenta auxiliar do trabalho que desenvolvia em desenho, mas gradualmente esta foi-se tornando cada vez mais relevante, o que me levou a aprofundar conhecimentos, a ingressar no curso de fotografia do Ar.Co., e posteriormente na escola MauMaus.

 

 

JH: Ver este teu projecto lembra-me o Richard Long e “A Line Made By Walking”, e embora essa memória não constitua uma certificação de influência para este trabalho, pelo menos parece afirmar que a visualidade é algo que se constrói, como aliás, a Land Art propõe. Foste tu que construíste algumas daquelas linhas através do caminhar, ou foi o caminho que te levou a elas? Que influências consideraste para a realização deste trabalho?

 

RC: É interessante apontares a referência à Land Art, houve algumas pessoas que fizeram a mesma observação. Durante o desenvolvimento do trabalho pensei muitas vezes em artistas como Hamish Fulton ou Richard Long, apesar de considerar que o trabalho não tem uma relação directa com a Land Art.

Este trabalho foi desenvolvido com o objectivo de produzir um livro, e foi durante o processo de edição que surgiu a ideia de construir uma narrativa com as imagens dos caminhos que nos levam ao Colosso.

 

JH: O que é que o livro, ou uma construção narrativa, pois uma coisa não implica outra apesar da possibilidade de leitura sequencial, trazem para esta série que não se repete na exposição? De que modo sai o espectador enriquecido pelo livro?

 

RC: O projecto foi pensado para o formato livro, a selecção de imagens foi realizada com o objectivo de criar uma narrativa que tem inicio em determinado local e que nos leva até determinado destino revelando detalhes desse percurso. O formato livro tem características físicas que reforçam a sequência de imagens formando uma narrativa de percurso. Por outro lado a exposição apresenta extractos do livro, mas que permitem uma leitura de pormenor. Penso que uma apresentação não substitui a outra, complementam-se.

 


JH: O título Colosso remete para uma dimensão escultórica, geralmente de grandes dimensões, tratando-se de facto de uma formação rochosa invulgar, como já anteriormente descreveras. Se nesta escultura, presumivelmente natural, parecemos estar perante uma ordem de leitura mítica, simbólica, ela é, no entanto, acompanhada de imagens mais prosaicas, de caminhos que parecem quase esculturas feitas com os pés, uma paradoxal construção potencialmente destrutiva. Qual foi o teu interesse neste lugar e em concretizar este projecto?

 

 RC: O título do projecto remete para o momento em que descobri a rocha, escondida atrás de uma pequena colina, ela revela-se de uma forma surpreendente. À distância é difícil de entender a sua dimensão porque não existem elementos que nos permitam perceber a escala, é quando nos aproximamos que realmente conseguimos constatar a sua dimensão.

A localização remota deste lugar foi determinante para este trabalho, se por um lado me interessou o distanciamento e isolamento que este lugar me proporcionava, por outro lado havia um mistério em torno da rocha e da forma que tinha adquirido ao longo do tempo que eu precisava de entender.

 

JH: Falas em necessidade de entender, que compreensão retiraste desse processo?

 

RC: Elaborei uma análise profunda através do estudo de mapas, e cartas topográficas, estudei a geografia do terreno, a sua constituição e a sua origem. Toda a área onde a rocha está situada foi formada durante o período Cretáceo, há cerca de 70 milhões de anos, pelo que a forma actual da rocha poderá ter tido intervenção humana. Era essencial perceber o que se tinha ali passado para a rocha ter assumido aquela forma.

 

 

JH: Uma coisa comum entre este projecto e o PIN do João Mota da Costa, é serem ambos localizados perto da costa marítima. Ele fotografou a cores, procurando uma dimensão mais descritiva, e tu fotografaste a preto e branco, explorando a natureza formal e escultórica do lugar. Todavia inseres uma pequena imagem a cores, quiçá, a imagem talvez mais descritiva daquele lugar. Porque é que optaste por mostrar aquela fotografia específica, a cores?

 

RC: Algum tempo depois de ter descoberto aquele lugar, regressei com o objectivo de fotografar a rocha. Não sabia ao certo qual o motivo mas sabia que tinha de a registar. É difícil de explicar mas havia alguma coisa que me atraia para aquele lugar.

Convivi com a imagem a cores durante muitos meses até decidir regressar ao local para fotografar a área envolvente. Posteriormente, decidi incluir a imagem a cores porque foi a génese deste projecto, foi ela que me motivou para produzir este trabalho.

 


JH: Esta série parece exibir uma certa recusa da facilidade da construção visual acerca do lugar, de uma certa instagramização do lugar, se assim se pode dizer isso de um determinado medium, onde a fórmula visual de representação do lugar é geralmente repetitiva, exagerada, onde as imagens parecem funcionar mais como “espelhos do que janelas”, onde o questionamento acerca da condição política, económica, cultural, daquilo que se fotografa parece escasso ou ausente. A moeda cultural contemporânea parece exige imagem atrás de imagem, dispensando modelos narrativos, numa retórica algo alienatória. Que te parece?

 

RC: O que me interessa captar são as questões que as imagens colocam, o que de certa forma poderá resultar numa recusa da facilidade de construção visual ou de vícios fotográficos, fruto de uma cultura global.

Citando o fotógrafo inglês Jem Southam, durante uma entrevista ele diz: ‘Se é muito fácil fazer fotografias, penso ser menos agradável. Certamente isso é o mesmo com todos os empreendimentos - como humanos, queremos ser desafiados e trabalhar através dos problemas, e quanto mais difíceis eles ficam, mais eles exigem de nós e quando trabalhamos através deles, maior a recompensa.’

 

JH: O que é que foi especialmente desafiante na concretização deste projecto?

 

RC: Encontrar o equilíbrio entre a apresentação das imagens sem expor demasiado a sua localização. Foi desafiante transportar para as imagens o sentimento de admiração e espanto de quando descobri aquele sítio e aquela rocha.

 

 

(Todos os direitos reservados. Texto João Henriques/CEFT & Rodrigo Cardoso. Imagens Rodrigo Cardoso)

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