Ano: 1998
Este projecto foi realizado a partir de um convite da Câmara Municipal de Estarreja, e exposto na Casa Municipal de Cultura acompanhada do respectivo catálogo. Não se tendo por objetivo um trabalho “turístico” de divulgação ou promoção do Concelho (o único requisito era o de que as imagens finais não ultrapassassem os seus limites administrativos), isso permitiu-me uma grande latitude na sua realização e o tempo necessário para tentar captar a sua complexidade e salientar os diversos vectores que historicamente constituiram a base do seu desenvolvimento. Com uma densa rede hidrográfica, são os cursos de água que estruturam o território quer em termos da utilização do solo quer determinando zonas habitacionais e administrativas. Relevo particular assumem os Esteiros, que assinalam a sua ancestral ligação com a Ria e a sua actual integração na Área Territorial da Ria de Aveiro.
Estarreja é assim um verdadeiro mosaico que, longe de ser estático, se vai constituindo e reconstituindo no decurso do tempo e da evolução das actividades produtivas mais adequadas à sua conformação geográfica. Esta realidade é bem descrita por Aníbal Lemos (precioso curador do projecto) no texto que integra o catálogo: O “Homem ‘ausente’ dá lugar ao simbólico residual cheio de conteúdo e significado, que, em associação com a intemporalidade aqui representada, desafia quem considere ‘o momento’ como característica do acto fotográfico.” Na verdade, “tão depressa se pressente a chegada do emigrante rico do Brasil, como se "Vê"a lufa-lufa do trabalhar a terra, ou a fábrica, ou ainda o abandono da saída migratória para terras de França, Alemanha ou Venezuela. A sonoridade ritmada da aproximação, em pelotão, das "mulheres da monda", cantando o trabalho e a
vida, o ruído dos comboios a carvão, dão lugar ao zumbido das turbinas das fábricas ou ao seu recente silenciar e encerramento. A água das marinhas de arroz, dos juncais, os palheiros e os estaleiros de construção de bateiras e moliceiros, ao esbarrar com a fronteira do caminho de ferro, dão lugar á terra de semeadura e à vinha envolvente das terras altas. As imagens criam uma ordenação ambígua, onde a memória e as vivências passeiam livres na recriação de um espaço onde cada um se reconhece e se identifica.”
José Afonso Furtado (Alcobaça, 1953).
Licenciado em Filosofia (FLUL). Curso de Formação no Instituto Português de Fotografia (1981-1984), onde veio a assegurar, durante alguns anos, a Cadeira de História de Fotografia. Exerceu a sua actividade profissional em organismos governamentais na área da Cultura, tendo sido Presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura (1987-1991). Posteriormente assumiu o cargo de Director da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (1992-2012). Expõe desde 1984. Publicou vários livros fotográficos, designadamente Das Áfricas (com Maria Velho da Costa). Difusão Cultural, 1991; Os Quatro Rios do Paraíso (com Clara Pinto Correia e Cristina Castel-Branco), D. Quixote, 1994; Linha de Costa (prefácio de Bernardo Pinto de Almeida), Contemporânea Editora, 1996; Canada do Inferno (introdução de Maria do Carmo Serén) Edição do Autor, 2005 e Contaminações — Minas Abandonadas (Fotografias 1994-2009) com Ensaio de Maria do Carmo Serén. Lisboa: Documenta, 2019. Traduziu a obra On Photography de Susan Sontag: Ensaios sobre Fotografia, Quetzal, Lisboa, 2012. Está representado nas Colecções do Instituto Camões (Ministério dos Negócios Estrangeiros), do Centro de Estudos de Fotografia de Coimbra, da Fundação Belmiro de Azevedo, da Fundação PLMJ, da Colecção Nacional de Fotografia do Ministério da Cultura, do Musée de L'Élysée, Lausanne e do Département des Estampes et de la Photographie da Bibliothèque Nationale de France.
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