A palavra turismo foi introduzida na língua francesa em 1841, dois anos depois de François Arago ter anunciado a invenção da fotografia perante uma plateia de cientistas, seduzidos pela possibilidade de reproduzir fielmente os grandes monumentos de Tebas, Mênfis e Carnaque e, de forma implícita, pela alteração das dinâmicas económicas que essa reprodução passaria a introduzir.
A proposta de transferir e portabilizar a experiência do lugar alterando o modo de o olhar e conhecer, despertou a atenção de um público frequentemente desinteressado em se relacionar com a experiência da diferença, mas simultaneamente curioso pela apropriação do estranho e do exótico.
Contribuindo para uma aliciante produção de souvenirs, o desenvolvimento do turismo e da fotografia encontra-se temporalmente enredado e define um sistema de atracções, como distingue Peter Osborne, que assenta num irreversível mecanismo de reprodução de reproduções, através do qual as sociedades modernas se experimentam e reflectem a si mesmas, se reencenam como espectáculo, e transformando os espectadores em revisores permanentes da sua própria experiência.[1]
As atracções turísticas que se instalam em regiões balneares, como o Algarve desde a década de 1980 — simulando lugares sem conexão nem memória do seu próprio património — qualificam as práticas hedonistas contemporâneas e a fértil economia dos pequenos deleites e consumo condensado, garantindo a medida certa de superficialidade e distância sobre a cultura do território que ocupam.
A construção destas sínteses de paraíso — lugares que se fazem à imagem de outros lugares e coisas transformadas em imagens de outras coisas — revelam igualmente a lógica de reflexibilidade que o turismo e a fotografia protagonizam, bem como a resignificação da realidade na qual prosperam.
Na sombra dessas imaginário, Lara Jacinto retrata a itinerância de pessoas que vivem e trabalham no concelho de Lagoa, oriundas de outros pontos do mundo, dando visibilidade a micro-histórias feitas de expectativas e vontades, de quem escolheu migrar para integrar esse outro lado do paraíso.
Olhando de frente para esse sistema de atracções, vai dissipar a frequente sobreposição de dois territórios que raramente se cruzam. Por um lado, os que procuram satisfazer o desejo de experiências autênticas e que imergem nestes teatros do exótico, seguros e regulados. Por outro, os que vislumbram uma oportunidade de trabalho, frequentemente sazonal e precário, em busca de melhores condições de vida, de liberdade ou da quimera que os acompanha desde a infância.
Registando a sobreposição e pluralidade destes territórios, que o carácter ocasional e provisório do deslocamento implica, trata-se de olhar os espaços que prolongam sua identidade e dar visibilidade a uma condição que é indecidível e inclassificável, como caracteriza Madan Sarup: um estranho é alguém que se recusa a permanecer confinado na sua terra distante ou a afastar-se da nossa. Que está fisicamente perto, enquanto culturalmente distante (...) suspenso num espaço vazio entre a tradição de que já se afastou e um modo de vida novo (...) uma anomalia entre o interior e o exterior, ordem e caos, amigo e inimigo.[2]
Os bastidores deste sistema de atracções formam uma paisagem intermitente, feita de ondulações culturais, económicas e sociais, onde se acomodam clichés de uma natureza longínqua — as pirâmides de areia, o deserto sem miragem ou as exíguas florestas tropicais a espigar no meio do resort — que parecem contrariar a sua intangibilidade e anonimato.
Neste ensaio fotográfico sobre Lagoa (Algarve), não se vê o mar, mas antes a imponente fragilidade das pirâmides, e dos que as envolvem, onde o exótico existe e persiste numa série de migrações mundanas, de familiaridades elusivas, ocupando uma área cinzenta, não necessariamente feita de violentas mudanças, mas de pequenas deslocações. Olhamos para estas fotografias e o que encontramos não é a diferença entre dois lugares, mas o modo como afinal, um lugar pode ser diferente e apartado de si mesmo.
Susana Lourenço Marques
[1] Osborne, Peter (2000), Travelling Light, Photography, Travel and Visual Culture. Manchester, Manchester University Press, p. 75.
[2] Sarup, Madan (1993), «Home and Identity» in Robertson, George; Mash, Melinda, et. al (1994), Travellers Tales, narratives of home and displacement. London, Routledge, p. 102.
Lara Jacinto (n. 1982, Leiria) vive e trabalha no Porto. Estudou Design Multimédia na Universidade da Beira Interior (2004) e fotografia no Instituto Português de Fotografia (2010). Trabalha como fotógrafa independente focada em projectos documentais. O seu trabalho aborda temas contemporâneos centrados em questões sociais, territoriais e emigração. Trabalha regularmente em encomendas para instituições públicas e privadas. O seu trabalho é exibido e publicado regularmente. É professora assistente convidada na ESMAD, Instituto Politécnico do Porto e IPCI, Instituto de Produção Cultural e Imagem.
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